Texto e fotos: Fabio Pellegrini
No dia 20 de julho deste ano, o chefe do Cartório Eleitoral de Coxim, Marco Túlio Pinheiro Machado Teixeira, foi convidado por um conhecido a ingressar em um grupo popular de whatsapp para esclarecer informações sobre urnas eletrônicas e sobre o sistema eleitoral brasileiro, que tanto vêm sendo contestados por seguidores do presidente Jair Bolsonaro e pelo próprio.
Marco Túlio conhece bem como as eleições funcionam: atuou em pelo menos oito processos eleitorais dentre municipais, estaduais e federais, desde quando ingressou no Tribunal Regional Eleitoral, em 2008, por meio de concurso público.
O site MS Norte conversou com ele, com o objetivo de contribuir com a democracia brasileira, trazendo esclarecimentos, para que a população possa se informar de forma devida e profissional. Confira a entrevista realizada:
MS Norte: Ao longo desses 14 anos que o senhor atua na Justiça Eleitoral, houve alguma fraude ou irregularidade constatada?
Não houve, nem em Coxim, nem em outra urna do país. Nunca houve notícia de fraude, nem de inconsistência, com relação aos votos de alguma urna que, depois da totalização dos votos, pudesse ter alguma possibilidade de desencontro de informações da realidade e do que foi transmitido.
MS Norte: Os técnicos do Judiciário são muito acionados durante as eleições?
Na eleição geral de 2018 a gente foi muito acionado. O que acontece bastante é a questão da ordem dos votos. A pessoa chegava na seção emocionada para votar em um dos candidatos a presidente, chegava já digitando e não aparecia a imagem do candidato. Isso aconteceu no primeiro e no segundo turno. Houve eleitor que parou a votação, alegando que não estava aparecendo a foto do candidato dele, que estava aparecendo nulo.
MS Norte: Qual o protocolo nesses casos?
O presidente da seção eleitoral nos aciona (os fiscais de votação). Neste caso em específico, fomos eu, o promotor de Justiça Marcos André Sant’Anna e a juíza eleitoral Dra. Helena. Chegamos lá, o cidadão ainda estava habilitado a votar, pois não tinha apertado o CONFIRMA. Orientei o cidadão a apertar o CORRIGE, nós fomos para trás da urna e pedimos para ele simular o voto. Se apertar o CORRIGE não tem violação ao sigilo do voto. Aí constatamos que ele estava ainda na escolha para governador, mas ele já queria digitar o número do candidato a presidente, e o número que ele queria para presidente não tinha para governador, por isso dava nulo. Foram vários erros assim. No primeiro turno tinha deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente. Houve vários eleitores que travaram a eleição assim. Espero que não ocorra este ano.
MS Norte: Em alguns vídeos que circulam na internet as pessoas dizem que digitavam o número de um candidato e aparecia a foto e o nome de outro. Isso pode acontecer?
Não acontece de digitar um número e aparecer outro candidato. A urna passa por diversos testes. Por exemplo: há o Sistema de Testes Exaustivos. As urnas são testadas exaustivamente por dias para testar tudo: se ao digitar as teclas estão aparecendo os números corretos na tela, as imagens e a claridade da tela, as luzes de segurança, as luzes de bateria, os componentes de software e de hardware. E são produzidos relatórios disso tudo. Há Testes Públicos de Segurança, são realizados diversos mecanismos de auditoria e verificação dos resultados que podem ser efetuados por candidatos e coligações, pelo Ministério Público (MP), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo próprio eleitor.
MS Norte: As pessoas podem acompanhar o processo eleitoral? De que forma?
A cerimônia de inseminação das urnas ocorre uma semana antes da eleição, quando são inseridas as informações sobre os candidatos nas urnas. Isso ocorre no Cartório Eleitoral. Em cada urna de cada seção, os dados são inseridos, os dados são conferidos, e a urna é lacrada. Caso seja violada, ela indica que foi violada. Essa cerimônia é pública e aberta a autoridades e partidos políticos. Os lacres são assinados pelo juiz eleitoral, pelo promotor de Justiça também. A partir do momento que a urna é lacrada, por mais que você ligue a urna na tomada, ela não vai funcionar. Vai aparecer uma mensagem na tela, informando que ela só vai funcionar no dia da eleição, a partir das seis horas da manhã.
MS Norte: É possível, de alguma forma, fraudar ou invadir uma urna eletrônica?
Qualquer tentativa de alteração das mídias da urna, se tentarem inserir um flash card (cartão de memória) ou um pen drive, a torna imprestável. Pela internet não dá, porque as urnas não se conectam à internet. Ela é anti-tentativa de invasão física. E se tentarem, ela não vai funcionar. São quase 30 métodos de segurança em uma urna hoje em dia. Quem fala que um hacker pode invadir a urna não tem noção de como funciona uma urna. Uma urna é um equipamento ligado na tomada, só. Não há placa de acesso à internet, nem wifi, não tem nada que possibilite essa urna se conectar a outro dispositivo. Ela vem de fábrica assim. Ela só funciona ligada na tomada e funciona fora da tomada até por 12 horas caso haja falta de energia elétrica. E a única comunicação que tem com internet é após a votação, as mídias de resultado são transmitidas de dentro do Cartório Eleitoral, que também não têm como sofrer alteração, porque a urna emite um boletim de urna ao final da votação, que mostra quantos votos cada candidato teve e isso é comparado após a totalização e a transmissão do resultado, e sempre bate. Nunca houve nenhum registro de dados inconsistentes entre o que saiu da urna depois que que ela gravou e o que foi transmitido.
Há também a Votação Paralela, uma auditoria das urnas eletrônicas feitas no dia da eleição. Na véspera da eleição são sorteadas urnas do país todo. Em Mato Grosso do Sul, após esse sorteio, sai um helicóptero da PRF lá de Campo Grande, busca essas urnas sorteadas aonde elas estão e deixa outras substitutas. Essas que a PRF pegou, que estavam perfeitas para o dia da votação, são levadas ao TRE, aonde ficam recebendo votos que não são validados, mas para verificar a integridade delas, e paralelamente as pessoas que estão lá, servidores do TSE, TRE, fiscais de partidos, OAB, Ministério Publico votam nela e votam em cédulas de papel também. Ao final, todos esses votos são computados, lá têm a identificação das pessoas, o resultado que sai no boletim da urna é conferido com o voto em cédulas. É uma auditoria feita há 20 anos. São verificados também se há coincidência entre células, boletim de urnas, relatório de sistema de apoio à auditoria, RDV (registro digital de voto). Todo esse processo é filmado e transmitido pelo Youtube.
MS Norte: E o boletim de urna? Ele já não é um comprovante impresso?
Antes da eleição, a urna emite um extrato impresso – chamada de zerésima - mostrando as informações referentes aos candidatos que foram inseminados nela, mostrando os zero votos para cada um. Ao encerramento de cada eleição, a urna emite cinco vias do boletim de urna, um extrato público de todos os votos computados naquela urna. São cinco vias obrigatórias: uma via é afixada na porta da seção eleitoral, outra fica com fiscais dos partidos políticos, o presidente da seção também tem uma via e o restante vem para o Cartório Eleitoral. Agora o boletim de urna tem um QR Code que pode ser acessado com o aplicativo Boletim na Mão, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é possível contabilizar os votos.
MS Norte: Como é ter seu trabalho contestado e desqualificado, sem quaisquer provas, diariamente, por milhares de pessoas nas redes sociais e até mesmo pelo presidente da República?
Somos milhares de servidores tendo nosso trabalho contestado diuturnamente. A gente também é um alvo hoje. O TSE tem uma fonte de combate à desinformação e estimula os servidores a combater desinformações principalmente no que concerne à urna eletrônica, não sobre o que um candidato acusa o outro. É mais que obrigação nossa de desdizer quando não é realidade. E o que se fala de fraude não é realidade. Quando se fala de fraude vem de um vídeo gravado sabe-se lá em quais circunstâncias, que alguém falou. Muitas denúncias foram apuradas pela Polícia Federal, inclusive entidades representativas de delegados e peritos criminais da PF expediram uma nota pública manifestando confiança no sistema eleitoral brasileiro.
MS Norte: E o que te fez ingressar no grupo de whatsapp “Bom Mesmo é Coxim” para combater o “negacionismo eleitoral”?
Me surpreendeu a repercussão que tiveram as minhas palavras. [O Campo Grande News emitiu uma nota sobre o fato]. De uma maneira positiva, serviu para esclarecer. E estou sempre à disposição para esclarecer. Me colocaram naquele grupo porque ali estavam sempre falando da urna. Me sinto na obrigação de tentar esclarecer e chamar para cá quem contesta. Venham nos fazer uma visita, nos perguntar como funciona a urna. A gente mostra enquanto a urna estiver aqui. Estamos abertos a isso, é um órgão público, não há nada em segredo aqui. E a gente não altera dado nenhum que vai na urna, tudo já vem pronto. É só vir conhecer. Para a população em geral saber como funciona e acho que quanto maior a transparência, melhor, como em qualquer processo licitatório, qualquer contrato público, inclusive o TSE inovou em vários pontos visando aprimorar atendendo sugestões.
MS Norte: A velocidade da desinformação é mais rápida do que a velocidade da informação?
As pessoas não assistem mais a mídia tradicional. Menosprezam, dizem que é um partido ou de uma ideologia, e se prendem no que chega por whatsapp, em vídeos curtos, feito em casa, uma parte do vídeo parada e uma pessoa em primeiro plano dizendo inverdades. Gente culta, formada, com carreira, inteligente, não se informa mais, e aí isso se torna uma realidade. O próprio whatsapp criou mecanismos de tentar conter essa velocidade de encaminhamentos. Aparece como Encaminhado com frequência. Quem quiser acender o alerta, acende. Quem não quer, não liga e continua acreditando só naquilo e fica restrito. O que custa checar essas informações? Saber se é fato, boato ou fake news...
MS Norte: Alguma palavra aos que, mesmo após 20 anos elegendo vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e presidentes por meio do sistema de urna eletrônica, insistem em desqualificar o sistema eleitoral?
Venha ser mesário! Venham participar do processo eleitoral como voluntários. Os mesários são fundamentais, além dos auxiliares dos órgãos públicos, são voluntários, é sempre muito gratificante poder contar com quase 400 pessoas em Coxim. Sem mesário não tem eleição e eles representam a sociedade, se dispõem a ajudar a Justiça Eleitoral, são fiscais da eleição. A imprensa também faz um papel fundamental de utilidade pública acompanhando cada passo das eleições. Mas as pessoas podem se informar previamente pelo site do Tribunal Superior Eleitoral: https://www.tse.jus.br/eleicoes-2022 .
Foto: Divulgação TRE-MS
Serviço:
O Cartório Eleitoral de Coxim (12ª Zona Eleitoral) está situado à Rua General Mendes de Moraes, 86, Jardim Aeroporto, ao lado do Forum. O atendimento é do meio-dia às 19h.